Estudos sobre a mecânica da natação de águas-vivas (medusas) têm revelado informações importantes sobre a propulsão animal e servido de inspiração para engenheiros, na construção de robôs aquáticos que mimetizam esses mecanismos. Em experimentos utilizando câmeras capazes de filmar em “super câmera lenta”, foram analisados padrões de natação de espécies de águas-vivas provenientes de diversas regiões do mundo, algumas delas registradas pela primeira vez (Figura 1).

Figura 1 - Algumas das espécies registradas com a câmera de alta velocidade, filmadas a 1.000 quadros por segundo. A) Catostylus mosaicus, B) Cyanea capillata, C) Stomolohpus meleagris, D) Rhopilema esculentum, E) Mastigias sp., F) Aurelia sp., G) Chrysaora pacifica, H) Cotylorhiza tuberculata, I) Lychnorhiza lucerna, J) Sanderia malayensis. K) Chrysaora plocamia e L) Chrysaora lactea. Pesquisadores M) Renato M. Nagata e N) Guilherme M. von Montfort. As barras de escala são de 1 cm para A-G e 0,5 cm para H.

 

Nossa equipe distinguiu dois padrões de natação relacionados à história evolutiva de espécies de medusas da classe Scyphozoa (Cnidaria, Medusozoa) (Figura 2): aquelas do grupo de Rhizostomeae pulsam mais rapidamente (1,5 pulsações por segundo) comparadas às medusas de “Semaeostomeae” (0,6 pulsações por segundo).

Figura 2 - Reconstruções de caráter ancestral estimadas a partir da cinemática da pulsação e desempenho de natação em medusas de cifozoários: A) velocidade média; B) frequência de pulsação. As cores quentes e frias na escala de cada variável representam valores mais altos e mais baixos, respectivamente.

 

Apesar dessas diferenças na frequência e velocidade, observamos que os dois grupos cobrem a mesma distância a cada pulsação. Qual seria então o significado das claras desigualdades no estilo de natação desses dois grupos? Tudo indica que esteja relacionado às distintas estratégias de captura de alimento. Os Rhizostomeae se alimentam capturando pequenos organismos planctônicos utilizando um complexo processo de filtração que ocorre ao nível dos braços orais, que são muito desenvolvidos e apresentam um aspecto esponjoso. As Semaeostomeae por outro lado, embora também se alimentem de plâncton, geralmente capturam organismos maiores, incluindo peixes. Quando uma medusa de Rhizostomeae pulsa, joga as pequenas presas presentes na água contra as estruturas de captura de alimento, de forma que a pulsação mais rápida permite que esses animais “filtrem” uma grande quantidade de água enquanto nadam. Já as medusas de “Semaeostomeae” pulsam mais pausadamente, de forma a aproveitar melhor os impulsos gerados pela pulsação – elas possuem os padrões de natação mais eficientes de todas as demais espécies de animais aquáticos, em termos de gastos energéticos! Dessa forma, os autores do estudo sugerem que espécies de “Semaeostomeae” da família Pelagiidae, como o gênero Chrysaora, representam os melhores modelos biomiméticos de propulsão animal, para inspirar a construção de veículos aquáticos não tripulados de baixo consumo energético.

O trabalho contou com a colaboração de pesquisadores dos EUA (@mblwoodshole), do Japão (Kitasato University School of Marine Biosciences) e do Brasil, da USP (@cebimar_usp), UFRGS, UNESP e da FURG. Imagens: Alvaro E. Migotto e Renato M. Nagata.

 

O trabalho pode ser acessado em https://doi.org/10.1038/s41598-023-34927-w